terça-feira, 27 de setembro de 2011

Cineport: um balanço preocupante

O 5º Cineport terminou ontem em João Pessoa com um balanço um tanto preocupante. De um lado, são evidentes as virtudes desse único festival a reunir filmes e gentes do mundo lusófono. De outro, não há como escamotear os problemas de organização e infraestrutura que ameaçam sua reputação. A caótica cerimônia de premiação, na noite de sábado, pareceu a todos um reflexo do que foi o festival.

A edição deste ano contou com um orçamento menor que a anterior, em 2009, e teve que enfrentar uma greve dos correios que tumultuou a chegada de materiais para exibição. Como resultado, a primeira metade do evento transcorreu com programação fechada em cima da hora e a desorientação reinando entre público, imprensa, realizadores e a própria equipe do festival. Na hora das exibições, apesar da qualidade do equipamento instalado e da boa vontade dos técnicos, as condições acústicas frequentemente deixaram a desejar e as projeções muitas vezes foram prejudicadas por DVDs claudicantes e incompatibilidades entre sistemas digitais, quando não simplesmente canceladas.

Para o futuro, o Cineport precisa fazer um arrazoado técnico para orientar a remessa de filmes nos suportes adequados e estabelecer prazos mais folgados para recebê-los e testá-los. Se bem que nada é fácil quando se trata de lidar com a produção vacilante e as carências de circulação dos filmes africanos. É sempre preciso dar esse desconto.

A presença de diretores, produtores, técnicos e críticos do Brasil, Portugal e África também merece ser melhor aproveitada mediante não apenas passeios e simpáticos contatos informais. É inconcebível não constar na programação nenhum tipo de encontro para troca de experiências e informações, conhecimento de projetos, investigação de complementaridades, etc. Mesmo os encontros casuais poderiam ser potencializados caso houvesse um circuito de comunicação minimamente eficiente entre os convidados, assim como entre o festival e o público. O que se viu neste ano foi uma grande desconexão entre tudo e todos, uma ausência de foco e uma curadoria que não conseguiu transmitir suas intenções. Nem mesmo os filmes exibidos contaram com qualquer espaço para debate e reflexão.

A Paraíba pede assistência

Se corre o risco de perder parte de sua importância a nível nacional e internacional, para a cultura paraibana o Cineport é um acontecimento nada desprezível, dada a grande privação por que passa o estado em matéria de circuitos para exibição de filmes menos bafejados pelos ventos da indústria. Em João Pessoa inexiste qualquer sala voltada para trabalhos alternativos. A combativa ABD local esteve no Cineport fazendo suas reivindicações por mais apoio à produção e à exibição independentes. A Paraíba é hoje o terceiro maior produtor de curtas do Nordeste, perdendo apenas para Pernambuco e Bahia. Sua produção não se concentra na capital, mas espalha-se pelos municípios do interior, onde também há muitos cineclubes. Apesar disso, o estado não oferece nenhum edital específico para o audiovisual além de um Prêmio Linduarte Noronha limitado a 300 mil reais. A verba dotada para a cultura na Paraíba não chega a 1 milhão de reais,
oito
  30 vezes menos que em Pernambuco.

Conversei sobre o assunto com João Carlos Beltrão e Ely Marques, respectivamente presidente e diretor da ABD. Segundo eles, a ação do governo nessa área é pífia. As dotações anuais mal dão para cobrir as captações do exercício anterior, deixando os realizadores à mercê dos seus próprios recursos ou de coletivos formados para matar a fome de cinema. O chamado Movimento Pelo Cinema Paraibano reivindica editais regulares e espaços para exibir a produção local (veja aqui).

E o Cineport não está fora desse campo de interesse. “A Sala Vladimir Carvalho, recém-inaugurada, tinha que ser um Cinema Vladimir Carvalho para exibir regularmente a produção independente”, propõe Beltrão, que já fotografou filmes de Vladimir. “Queremos cinemas, não salas multiuso”, complementa Ely, rejeitando um modelo que, na maioria das vezes, acaba não servindo para uso nenhum. Parece unânime em João Pessoa que o grande e agradável espaço ocupado pelo Cineport na Usina Cultural Energisa deveria ter um uso mais intensivo fora do período do festival. Parcerias com o governo e a UFPb poderiam ser o caminho para que os benefícios sazonais do evento se estendessem pelo resto do ano.

http://carmattos.com/2011/09/26/cineport-um-balanco-preocupante/

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