Indiscutivelmente existe alguma “força estranha” que provoca algo, mais estranho ainda, uma ligação muito forte das pessoas com o lugar onde nasceram, onde viveram seus anos de juventude, onde aprenderam os valores da vida e adquiriram suas primeiras impressões do mundo.
Alguns elementos visuais, sonoros, alguns sabores e cheiros, algumas lembranças guardadas apenas na memória, podem fazer esse link e nos conectar imediatamente com essa força estranha. Assim são os símbolos, as bandeiras, os brasões, os hinos...
Na nossa cidade, vivemos um tempo singular, onde a população que tem essa ligação com ela, está escasseando. O fenômeno “Sulanca” trouxe muito dinheiro e “desenvolvimento” para nossa terra e com eles também muita gente de outras terras. Hoje, a nossa população é formada na sua grande maioria por “forasteiros”, no melhor sentido da palavra, pessoas que “não são daqui, nem vieram pra ficar”, que não sentem, no fundo de si, essa emoção que sentimos quando alguém fala bem de nossa terra. Que, da mesma forma, não se sentem mal quando alguém tece comentários maldosos. Não têm nossa identidade, não têm compromisso emocional com nossa terra.
No hino de Santa Cruz, temos uma estrofe que fala da paisagem da cidade de uma forma tão bonita! Uma paisagem que deslumbrava, “...Com variado matiz...”, nossa cidade era “...do Capibaribe, a atalaia e esposa feliz...” mas o poder econômico, o poder de destruição das Riquezas em troca de “riquezas” em nome do desenvolvimento, sem sustentabilidade, sem respeito à natureza, à história e ao patrimônio coletivo acabou com nosso hino! essa “nova Santa Cruz” próspera e devastada esqueceu-se dos seus verdadeiros valores.
Os santacruzenses, santacruzenses mesmo, que aqui nasceram, em sua grande maioria se apóiam na desculpa de que, hoje estão “ricos” e que a cidade é boa assim como está. Às vezes nem fazem isso conscientemente, mas seus atos os denunciam. E esse comportamento é o que alimenta a cultura do medo, da defesa do patrimônio com “unhas e dentes”, da VIOLÊNCIA! As pessoas estão perdendo o sentimento de solidariedade, de amor, de vida em sociedade, de COLETIVO! “Se está bom pra mim, o resto que se exploda!”
Isso se reflete no dia-a-dia, na qualidade de vida da cidade, na poluição sonora (o som do meu carro é melhor do que o dos outros), na poluição visual (a placa da minha loja é maior do que a dos outros), na desorganização do trânsito (não quero nem saber, é proibido, mas eu dou uma propina para o guarda), na sujeira das ruas (ah! Joga aí mesmo, tem quem limpe), isso são só alguns exemplos que já passam despercebidos para a população, as pessoas já se acostumaram com os montinhos de entulho de construção nas praças, nas calçadascisternas, com as moscas, a poeira, o calor, as muriçocas, o fedor, os buracos, as ruas interditadas, o lixo...
Será que alguém já parou pra pensar porque está aqui? Para que veio ao mundo? O que significa a vida?
Será que é tanta vantagem assim, tirar vantagem de tudo, amealhar até o último vintém, estar sempre no carro mais novo, na casa maior e viver no caos? E continuar não dando olhos para a empáfia e falta de educação dos seus filhos, ao lixo que o redemoinho trouxe para a sua varanda, às ruas enlameadas no inverno e à poeira no verão, causando asma em tudo quanto é criança, à falta de um bom atendimento em quase todos os estabelecimentos da cidade, etc, etc, etc?
Quando será que vamos acordar, pelo menos para o nosso “progresso”, para a indústria e o comércio, para a nossa economia, trazendo qualidade para os nossos produtos, atenção ao consumidor (o código de defesa do consumidor na cidade não existe!), o atendimento, a qualificação dos funcionários, à imagem da cidade lá fora?
Fico muito triste quando escuto – e não é com pouca freqüência – que minha terra é a terra do desmando, a terra dos ladrões, se for pra feira vai ser assaltado, é muito perigoso, é sujo, não tem comida que preste, só tem gente mal educada, é muito barulhento, não tem informação, é roupa de má qualidade, etc, etc, etc...
Quando será que vamos acordar para a vida? Estamos aqui para viver e viver com qualidade e dignidade é o mínimo que poderíamos ter para viver bem. É o básico! Ninguém vive só o fim de semana, quando vai embora da cidade “servir de “paga a conta” e de chacota pra uns vizinhos da casa de praia e perturbar a paz de outros, que têm que se mudar de casa pra ter sossego!
Vamos viver todos os dias. Vamos investir em nós mesmos e na coletividade, vamos exigir educação e saúde de qualidade para nossos filhos, vamos enxergar nossas mazelas, tão simples de serem solucionadas, vamos lutar por nossos direitos e não bancar a festa pra quem só quer poder, às nossas custas, vamos pensar mais antes de votar, vamos ser mais cidadãos, nós podemos, somos fortes economicamente e culturalmente, vamos saber mais de nós mesmos. Vamos ser mais felizes e menos hipócritas!